domingo, 22 de janeiro de 2017

Aminoácidos


Escrito por Anderson Garcia

Características estruturais e funcionais

São os componentes estruturais e essenciais das proteínas, moléculas biologicamente ativas de todos os seres vivos. Quimicamente são constituídos por um grupo amino (N+H3), um grupo carboxila (COOH), um átomo de hidrogênio (H) e um grupo radical, todos ligados a um carbono α (Figura 1).

Figura 1. Estrutura química comum de todos os aminoácidos. A) Representação no modelo esfera e bastão. B) Representação na forma estrutural plana.
Fonte: NELSON; COX, 2014; DEVLIN, 2011.


Atualmente, são conhecidos mais de 300 tipos de aminoácidos encontrados na natureza, mas destes, somente 20 ocorrem com frequência nas proteínas dos seres vivos, por isto são tidos e classificados como essenciais.  Todos os aminoácidos tidos como essenciais compartilham dos grupos químicos ilustrados na Figura 1 (exceto o aminoácido Prolina), porém o que faz com que eles sejam quimicamente e fisicamente distintos uns dos outros é o seu grupo radical. De acordo com o radical ligado ao carbono α, os aminoácidos podem ser classificados como: apolares alifáticos, polares não carregados, carregados positivamente, carregados negativamente e aromáticos (Figura 2).

Figura 2. Os 20 aminoácidos (essenciais) comumente encontrados nas proteínas. Classificação de acordo com o grupo R.

Fonte: NELSON; COX, 2014.


            É possível notar com clareza na Figura 2, os grupos químicos comuns à todos os aminoácidos, (exceto a Prolina) e os grupos R (em róseo) ou também chamados cadeias laterais, que vão diferir os aminoácidos em suas propriedades físicas e químicas.
Os aminoácidos pertencentes ao grupo R apolares alifáticos (Glicina, Alanina, Prolina, Valina, Leucina, Isoleucina e Metionina), são hidrofóbicos (insolúveis em água, pois não são capazes de formar pontes de hidrogênio ou qualquer outro ter tipo de interação com a mesma). Estes aminoácidos tendem a se posicionar e alocar seus grupos R no interior das proteínas, longe da água, onde assim, podem fazer interações hidrofóbicas com outros resíduos de aminoácidos, contribuindo para a estabilização da estrutura da proteína. 
Aqueles que pertencem ao grupo dos polares, não carregados (Serina, Treonina, Cisteína, Asparagina e Glutamina) são mais hidrofílicos, ou seja, mais solúveis em água do que aqueles apolares, pois estes contêm grupos funcionais, hidroxila (OH) (Serina e Treonina), amida (NH2) (Asparagina e Glutamina) e sulfidrila ou tiol (SH) (Cisteína) que podem fazer ponte de hidrogênio com a água e contribui para sua polaridade.
Os pertencentes ao grupo R carregado positivamente, tem cadeias laterais com grupos amino primário (N+H3) (Lisina), guanidino (Arginina) e imidazol (Histidina). Estes grupos R conferem ao aminoácido carga uma carga líquida positiva em pH 7,0, tornando-os mais hidrofílicos que os outros grupos citados anteriormente.
Os carregados negativamente são compostos por dois aminoácidos, o Aspartato e o Glutamato, ambos com um segundo grupo carboxila em sua cadeia lateral
E por fim, o grupo dos aminoácidos aromáticos, são compostos pelos aminoácidos: Triptofano, Fenilalanina e Tirosina. Todos compartilham de anéis aromáticos em sua cadeia lateral, e são relativamente apolares. O anel indol do Triptofano e o grupo hidroxila ligado ao anel aromático da Tirosina faz com que estes dois aminoácidos sejam pouco apolares quando comparados com a Fenilalanina que têm somente um anel benzeno em sua cadeia lateral. Devido aos seus anéis aromáticos, o Triptofano, a Tirosina e em menor extensão a Fenilalanina, conseguem absorver luz no comprimento de onda de 280 nm (região UV do espectro).
É importante conhecer todos os aminoácidos essenciais e seus radicais ou cadeias laterais, pois estes são responsáveis pela estruturação, hidrofobicidade e interação da proteína com outras biomoléculas, e também participam como grupo catalítico das enzimas. Alterações bruscas na sequência de aminoácidos de uma proteína (ex: substituição de um aminoácido polar por um apolar, ou deleção de uma sequência específica) podem interferir na sua função, resultando em uma proteína com propriedades não funcionais, acarretando em alterações na fisiologia e homeostase do organismo, exemplo: nos casos de anemia falciforme, uma substituição do aminoácido hidrofílico glutamato por um resíduo hidrofóbico valina na posição 6 da cadeia β da hemoglobina, faz com que esta proteína se torne um precipitado fibroso e rígido deformando as hemácias em sua característica falciforme (forma de foice).
Além dos aminoácidos essenciais, alguns aminoácidos incomuns estão presentes em algumas proteínas dos seres vivos, como por exemplo a 4-hidroxiprolina (um aminoácido derivado da Prolina) e a 5-hidroxilisina (aminoácido derivado da Lisina) encontradas em proteínas fibrosas como o colágeno, a 6-N-metil-lisina, constituinte da proteína muscular miosina, o γ-carboxiglutamato, encontrado na proteína trombina e outras que se ligam ao cálcio, a desmosina, um aminoácido derivado de quatro resíduos de lisina, encontrada na proteína elastina, a selenocisteína e a cistina, derivada de dois resíduos de Cisteína unidos por pontes dissulfeto.
Como visto, alguns aminoácidos não essenciais, podem participar da composição de algumas proteínas, outros como a Ornitina e Citrulina participam apenas de vias metabólicas como biossíntese de Arginina e ciclo da uréia.


Propriedades físico-químicas

Configuração absoluta

       Como visto anteriormente, os aminoácidos possuem carbono α, onde se ligam os grupos funcionais que caracterizam esta classe de biomoléculas. O carbono α, exceto no aminoácido Glicina, é um carbono quiral ou centro quiral, ou seja, possui quatro ligantes diferentes ligados a ele. Esta propriedade faz com que os aminoácidos possam ter dois estereoisômeros (moléculas com fórmulas moleculares iguais, porém com configurações tridimensionais diferentes) denominados enantiômeros (moléculas com imagens especulares não sobreponíveis uma a outra).
            Para determinar a configuração absoluta dos aminoácidos e carboidratos, Emil Fisher, propôs o sistema D e L com base na configuração absoluta do carboidrato de três carbonos Gliceraldeído (Figura 3.)

Figura 3. Configuração absoluta. Sistema D e L proposto por Emil Fisher, 1981.

Fonte: NELSON; COX, 2014.

          Sendo assim, todos aqueles aminoácidos que tiverem a configuração absoluta relacionada à do L-Gliceraldeído são tidos como estereoisômeros da série L e aqueles com configuração relacionada à do D-Gliceraldeído são tidos como estereoisômeros da série D.
O sistema D e L diz somente respeito à configuração absoluta e não à atividade óptica da molécula.
A maioria dos aminoácidos encontrados na natureza são da série L, com exceção de alguns D-aminoácidos encontrados em proteínas de paredes celulares de bactérias e alguns antibióticos.
Em reações químicas comuns, os aminoácidos podem ser encontrados como uma mistura racêmica, ou seja, tanto estereoisômeros L quanto D. Nossas células têm a capacidade de sintetizar somente estereoisômeros da série L.


Ionização e caráter ácido-básico

         Os aminoácidos possuem dois grupos ionizáveis ligados ao carbono α, o grupo carboxila (COOH) e o grupo amino (N+H3) e podem ainda, em alguns aminoácidos conter alguns destes grupos na cadeia lateral (grupos R carregados positivamente e negativamente). Esses grupos podem ter seus prótons (H+) removidos em função do pH, tornando-se desprotonados.
                A ionização (perda de prótons) dos seus grupos funcionais e das cadeias laterais, conferem aos aminoácidos a capacidade de comportarem-se como bases ou ácidos fracos em função do pH. Podemos dizer então que os aminoácidos são moléculas anfotéricas, em virtude do seu caráter ácido-básico (Figura 4).

Figura 4. Desprotonação dos grupos funcionais do aminoácido Glicina e suas respectivas cargas em função da perda gradual de prótons.

Fonte: Modificado de NELSON; COX, 2014.

           Além disto os aminoácidos podem também comportar-se como íon bipolar ou zwtteríon (em determinada faixa de pH com duas cargas, uma positiva e uma negativa, cuja soma destas é igual a 0), podendo agir como ácido (doador de prótons) ou base (aceptor de prótons) (Figura 5).

Figura 5. Formas não iônicas e zwtteriônicas dos aminoácidos. A forma não iônica não ocorre em quantidades significativas em soluções aquosas. O zwitteríon predomina em pH neutro. Um zwitteríon pode atuar tanto como ácido (doador de prótons) quanto como base (aceptor de prótons) (NELSON; COX, 2014).

Fonte: NELSON; COX, 2014.


Cada aminoácido tem seus grupos funcionais ionizados em diferentes faixas de pH, o que quer dizer que cada aminoácido tem uma curva de titulação, valores de pKa e PI característicos.
* Definições
  • ·pKa= é uma medida da tendência de um grupo (COOH e N+H3) doar um próton (H+), com essa tendência diminuindo dez vezes à medida que o pKa aumenta em uma unidade. Um aminoácido diprótico (com dois grupos ionizáveis), podem conter dois pKas, denominados pK1 para a ionização do grupo COOH e pK2 para a ionização do grupo N+H3, e ainda se for um aminoácido triprotico (três grupos ionizáveis), o terceiro grupo é o da cadeia lateral, denominado por pKr. O pKa de um aminoácido é igual ao pH onde ocorre a desprotonação parcial, ou seja, há predominância das duas espécies químicas, a protonada e desprotonada.


  • ·    PI (ponto isoelétrico) = é o ponto onde o aminoácido permanece na forma bipolar ou zwtteriônica.       


                O aminoácido glicina, quando titulado com uma base forte, o hidróxido de sódio (NaOH) produz uma curva característica de onde podem ser extraídas informações valiosas sobre o comportamento químico deste aminoácido.

Figura 6. Curva de titulação do aminoácido glicina com uma base forte (NaOH).

Fonte: Modificado de NELSON; COX, 2014.

            De acordo com a Figura 6, é possível observar que em pH baixo, ente 1,0 e 2,0, a glicina está com seus grupos funcionais totalmente protonados, conferindo caráter ácido a esta molécula e carga de +1. A medida em que a titulação segue, a tendência do grupo COOH em doar um H+ aumenta, chegando ao ponto onde, há a ionização deste grupo em um pH de 2,34 (pK1). Neste estágio, a glicina permanece com metade dos seus grupos carboxila protonados (COOH) e desprotonados (COO-) com carga relativa de +0,5. No pH de 5,97 ocorre a desprotonação completa do grupo carboxila, onde a espécie predominante é a N+H3CH2COO-. Este é o ponto isoelétrico, onde a molécula de glicina permanece como íon bipolar ou zwetterion, podendo aceitar ou doar prótons e sua carga líquida é 0. O ponto isoelétrico é calculado a partir da média entre os pKas, ou seja, PI = (pK1+ pK2)/2, no caso de um aminoácido diprótico. Seguindo com a titulação, o próximo ponto é pK2, onde há a ionização do grupo amino em pH 9,60, predominando as espécies protonada (N+H3) e desprotonada (H2N) e sua carga relativa de -0,5. A titulação está completa em pH 12, onde ocorre a desprotonação completa do grupo amino, predominando a espécie química NH2CH2COO- com carga líquida de -1.
            A curva de titulação oferece informações importantes sobre a ionização dos grupos funcionais e carga da glicina, evidenciando que o grupo COOH é extremamente ácido e facilmente ionizável em pH baixo e o grupo amina tem caráter básico, sendo ionizado em faixas altas de pH. É possível observar também que nas regiões de pKa (1 e 2) a glicina tem ação tamponante, ou seja, resiste a variações pequenas de pH em aproximadamente 1 unidade para mais ou para menos, evidenciando que a glicina é um bom tampão em pH 2,34 e 9,60, porém não é um bom tampão em pH fisiológico (em torno de 7,4).
Todos os aminoácidos dipróticos (a maioria dos aminoácidos) possuem curvas de titulação e ionização parecidos com o da glicina, porém aqueles triproticos (aminoácidos com grupos funcionais na cadeia lateral) tem curvas distintas de ionização dos seus grupos, Figura 7.

Figura 7. Curva de titulação dos aminoácidos triproticos Glutamato (a) e Histidina (b).

Fonte: NELSON; COX, 2014.

É possível observar que as ionizações dos grupos funcionais dos aminoácidos embora tenham pKas semelhantes, eles não são idênticos, e esta diferença está relacionada ao ambiente químico imposto pelos grupos funcionais das cadeias laterais. O grupo R do Glutamato é facilmente ionizável em pH em torno de 4,25, enquanto a Histidina tem seu grupo R ionizado em pH 6,0. Observe também que a natureza química do grupo R, reflete a carga líquida destes aminoácidos.

O aminoácido Histidina oferece uma ação tamponante em pH 6,0 (pKr), por este motivo é encontrada em líquidos intra e extracelulares em animais e bactérias, pois se aproxima do pH neutro (7,0).


Referencias 

NELSON, D. L.;  COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. São Paulo: Artmed, 2014.

DEVLIN, T. M. Manual de bioquímica com correlações clínicas. 7. ed. São Paulo: Blucher, 2011.

TOY, E. C.; SEIFERT JR., W. E.; STROBEL, H. W.; HARMS, K. P. Casos clínicos em bioquímica. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. 480 p.


Um comentário:

  1. Não entendi a seguinte parte: "O sistema D e L diz somente respeito à configuração absoluta e não à atividade óptica da molécula". O sistema D e L não estão relacionados com o desvio da luz polarizada e portanto uma atividade óptica? Ou seria apenas uma convenção de nomenclatura?

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